É um tipo de taquicardia ventricular polimórfica ( com várias formas ) que está associada ao prolongamento do intervalo QT ( um intervalo do eletrocardiograma ) de forma adquirida ou de origem congênita, diferentemente da taquicardia ventricular polimórfica que ocorre na fase aguda do infarto do miocárdio, quando o intervalo QT não está prolongado.
Caracteriza-se eletrocardiograficamente pelo surgimento de extra-sístoles ventriculares , mono ou polimórficas ( de uma ou mais formas ), que provocam o surgimento de pausas ( interrupções do estímulo elétrico ) de duração variável, que na maioria das vezes é interrompida por um batimento normal . O intervalo QT do eletrocardiograma , deste batimento , torna-se prolongado pela pausa prévia, predispondo ao surgimento de uma nova extra-sístole ventricular, que freqüentemente incide sobre o período vulnerável da onda T. Nesta fase, as células cardíacas encontram-se em diferentes estágios de repolarização, umas já completadas, outras ainda em franca evolução. Tais discrepâncias predispõem à ativação ventricular fragmentada e o consequente surgimento de uma taquicardia polimórfica que se caracteriza por complexos QRS com pontas ora com orientação para cima, ora para baixo, como se estivesse rodando em torno de sua linha de base (figura 1 B a D). A taquicardia costuma ser auto-limitada (5 a 20 ou 30 complexos), interrompendo-se espontaneamente, ou degenerar para fibrilação ventricular. Não está determinado ainda qual o grau de prolongamento do QT que está associado ao surgimento de taquicardia ventricular entretanto, valores > 550 ms devem ser considerados de alto risco, particularmente em pacientes em uso de fármacos que prolongam este intervalo.
Torsades de Pointes Causada por Fármacos
Um dos conceitos mais importantes adquiridos no últimos anos a respeito da terapêutica antiarrítmica, é o de que os fármacos indicados para o tratamento de arritmias cardíacas, sejam ventriculares ou de origem supraventricular, podem causar morte e, o mecanismo envolvido nessa condição, é a taquicardia ventricular do tipo torsades de pointes. Os fatores predisponentes mais importantes para o desencadeamento dessa arritmia pelos agentes antiarrítmicos são: intervalo QT longo, disfunção ventricular, isquemia miocárdica, arritmias ventriculares complexas, bradicardia, desequilíbrio eletrolítico (particularmente a hipopotassemia e hipomagnesemia), história prévia de torsades de pointes. As mulheres parecem ser mais vulneráveis do que os homens.
Além de antiarrítmicos, outros agentes farmacológicos estão envolvidos com a torsades de pointes, podendo ser citados: a) psicotrópicos (fenotiazinas, antidepressivos tricíclicos); b) antibióticos (eritromicina, sulfametoxazol-trimetoprim, pentamidina); c) antihistamínicos (astemizol, terfenadina).
Torsades de Pointes e Síndrome do Intervalo QT Longo Congênito
Classicamente são descritas as síndromes de Jervell e Lange-Nielsen, cuja alteração eletrocardiográfica está associada à surdez congênita; a síndrome de Romano-Ward, não associada à surdez, e a síndrome do QT longo idiopático, em que o QT está prolongado e existe a propensão à síncope e a morte súbita.
Os mecanismos fisiopatológicos envolvidos não estão ainda definitivamente esclarecidos. Uma das hipóteses é a discrepância da inervação autonômica ventricular, com predomínio da atividade simpática sobre o ventrículo esquerdo e hipoatividade à direita. Nessa teoria é que repousa o conceito da utilização de beta-bloqueadores e da cirurgia de ressecção do gânglio estrelado esquerdo no tratamento. Outra teoria está relacionada com a anomalia genética, especificamente localizada sobre o cromossomo 11, em que mutações dos genes relacionados à codificação de proteínas envolvidas na estrutura dos canais que transportam correntes de potassio (gens KVLQT1 e HERG para as correntes de retificação lenta e rápida de potassio respectivamente) ou sódio (SCN5A) prolongam a repolarização e conseqüentemente, o intervalo QT. Pacientes assintomáticos com alterações eletrocardiográficas não manifestas, podem apresentar a arritmia quando fazem uso de fármacos que prolongam o intervalo QT.
Mecanismos Eletrofisiológicos
As pós-despolarizações precoces secundárias à atividade deflagrada seriam as responsáveis pela torsades de pointes, tanto de origem congênita com a forma adquirida. Nessa condição, antes que a repolarização se complete, oscilações precoces do potencial de ação alcançariam o potencial limiar originando ectopias ventriculares. As catecolaminas e as correntes de cálcio tornam as células mais vulneráveis. A arritmia poderia ser mantida por este mecanismo ou, então, através da reentrada secundariamente à dispersão da repolarização ventricular.
Tratamento
Na forma adquirida, a suspensão imediata do agente farmacológico envolvido. Além disso, a reposição de potassio quando indicada e a administração de sulfato de magnésio em bolus (2 gramas, seguido de 2 a 4 gramas 15 minutos depois, se necessário, e infusão contínua de 3 a 30 mg/minuto nas próximas 24/48 horas). O implante de marcapasso temporário para estimulação ventricular a freqüências que variam entre 90 e 110 batimentos por minuto, reduz os episódios de taquicardia devido à redução do intervalo QT e à homogeinização da repolarização ventricular. A administração de isoproterenol está indicada quando não se dispõe de marcapasso temporário. A prevenção é feita evitando-se a administração de fármacos que causam prolongamento do intervalo QT.
Na forma congênita, nos pacientes com sintomas tais como síncope ou pré-síncope, está indicada a administração de beta-bloqueadores. Se os sintomas persistirem, associa-se a ressecção do gânglio estrelado esquerdo. Casos mais rebeldes, quando a taquicardia torna-se recorrente, ou então quando há história de morte súbita recuperada, mesmo com a terapia já descrita, está indicado o implante do cardioversor-desfibrilador automático.
O prognóstico é bom naqueles nos quais os sintomas são controlados com medicamentos, tornando-se mais reservado nos pacientes com taquicardias recorrentes, quando o risco de morte é maior.
A terapêutica é controversa em pacientes assintomáticos com intervalo QT longo. História familiar de síncope ou morte súbita, são fatores que aumentam a tendência do tratamento preventivo desses pacientes. Não há qualquer exame complementar com bom valor preditivo para identificar pacientes assintomáticos com maior risco de morte súbita. Estudos genéticos podem identificar pacientes assintomáticos portadores de anomalias crormossômicas com risco de apresentar a arritmia. Estes últimos entretanto não estão sendo empregados ainda em larga escala, estando reservados apenas aos membros da família de indivíduos acometidos.