domingo, 10 de maio de 2015

Artrogripose congênita múltipla




1 Definição 

A Artrogripose Múltipla Congênita (AMC) é uma síndrome caracterizada por contraturas de várias articulações e rigidez de tecidos moles presentes desde o nascimento e de caráter estacionário. Pode ser caracterizada por alterações de pele, tecido subcutâneo inelástico e aderido, ausência de pregas cutâneas, hipotrofia muscular, sendo substituído por tecido fibrogorduroso, deformidades articulares, espessamento e rigidez de estruturas periarticulares, com preservação da sensibilidade.

O termo artrogripose é oriundo do grego, significando “juntas curvadas” ou “fletidas”. Ela pode ser também designada como Amioplasia Congênita. 

2 Incidência 

Nos EUA a incidência de AMC é de um para cada três mil habitantes, sendo, portanto, uma síndrome rara. A AMC foi classificada clinicamente em amioplasias dos tipos A, B e C, artrogriposes distais - tipos I e II, com deficiência mental.

3 Etiologia 

A AMC é de etiologia ainda pouco conhecida. Acredita-se que está relacionado a fatores que ajam no primeiro trimestre de gestação. 

Fatores que interfiram no primeiro trimestre têm maior potencial de acometimento dos bebês do que os que ocorrem mais tarde na gestação. Esta patologia está associada com alterações neurogênicas e miopáticas levando a diminuição dos movimentos fetais e a contraturas articulares. Há relatos de mães que tiveram febre acima de 37,8°C, causando hipertermia fetal; Outras situações como infecção viral durante a gestação, acometimento vascular materno-fetal e septo no útero, são possíveis agentes causadores da Artrogripose Múltipla Congênita.

Estudos por biópsia muscular e estudos histoquímicos esclarecem melhor a natureza das deformidades, se neurogênicas, se miopáticos ou inflamatórias. Os estudos anteriores sobre a etiologia eram limitados, pois eram baseados em necrópsia, excluindo patologias que não levavam a óbito. Técnicas de biópsia com inclusão em parafina e coloração usuais geravam falta de seletividade não permitindo diagnóstico preciso das patologias de base. Com a biópsia utilizando colorações corretas por técnicas histoquímicas, permitiu-se prever a evolução dos casos por comparação a comportamentos habituais da patologia de base associado à expressividade clínica.

4 Fisiopatologia 

Através de estudos anatomopatológicos de 350 pacientes da National Arthrogryposes Association nos EUA, foi demonstrado que qualquer lesão durante o desenvolvimento embrionário à formação dos membros intra-útero, pode causar contraturas articulares. Assim, lesões em células do corno anterior, nas raízes, nos nervos periféricos, nas placas motoras ou nas fibras musculares resultam em um desequilíbrio muscular, produzindo contraturas. Um estudo realizado entre 1987 a 1988 por estudiosos brasileiros, avaliou 25 casos de pacientes com AMC, a maioria deles matriculados na escola paulista de medicina, por biópsia muscular do deltóide em análise histoquímica, a fim de detectar características histológicas dos tipos neurogênico, miopático e inflamatório das doenças de base. 

Para outros autores, a maioria das crianças com artrogripose congênita são portadores de amiotrofia espinhal. Pelo estudo, houve predomínio das formas miopáticas (52% dos casos) sobre as formas neurogênicas. Os achados deste estudo não permitem melhores conclusões sobre correlação do quadro clínico, biópsia e prognóstico.

5 Quadro Clínico 

Pacientes com variadas expressividades clínicas de AMC foram descritos no último século, mas sem atender a nenhuma classificação etiopatogênica ou nosológica . A partir de 1982, trabalhos permitiram a classificação da artrogripose em alguns tipos e subtipos, de acordo com a expressividade clínica e com o prognóstico.

Como já dito, o quadro clínico varia muito de um caso para outro; Pode haver acometimento dos quatro membros, sendo que o lactente pode apresentar pés eqüinovaros, luxações dos quadris, joelhos em extensão ou flexão, quadris fletidos em adução ou abdução, mãos em garra ou cerradas, cotovelos em flexão ou extensão, ombros em adução. As articulações permanecem fixas nessas posições. Os membros tomam forma cilíndrica, perdendo a silhueta. Podem aparecer depressões próximo às articulações. Não existe anquilose óssea, sendo que a rigidez articular é devido ao encurtamento dos músculos e à contratura da cápsula articular. O grau de deformidade geralmente é bem grave, mas não é uma patologia de caráter progressivo.

O membro superior pode estar totalmente ou parcialmente acometido. Há limitação ativa e/ou passiva das articulações, hipotrofia muscular e aparência tubular dos membros. A articulação do ombro apresenta graus variados de rotação interna e pode haver limitação da abdução. O cotovelo, quando em posição de flexão, favorece a função. Ao contrário, quando em extensão, leva à grande incapacidade funcional. O antebraço apresenta-se pronado e o punho, freqüentemente, está em flexão e desvio ulnar, mas pode apresentar-se em extensão com desvio radial. Os dedos estão em flexão da articulação metacarpofalangiana e extensão da interfalangiana proximal. O polegar está, preferencialmente aduzido. O tronco geralmente apresenta a escoliose como deformidade mais comum. Por ser uma escoliose de ordem neuromuscular, ela é progressiva (5 a 7 graus por ano), sendo um grande fator desencadeante de futuros problemas respiratórios.

A luxação do quadril tem grande incidência nesses pacientes (80% dos casos). Dentre as causas podemos citar a própria escoliose, por gerar um desalinhamento da pelve e apresentação pélvica ao nascimento.

No entanto, as contraturas são ainda mais freqüentes do que as luxações. As contraturas em flexão associadas com abdução e rotação externa (posição Buda) são as mais comuns. O joelho pode estar em flexão, ou em hiperextensão (podendo haver luxação posterior da tíbia em relação ao fêmur). 

O pé pode ter variadas deformidades como eqüinovaro, talovertical, planovalgo, cavovaro, dentre outras. A característica principal é a extrema rigidez de suas articulações. As articulações são estreitas e os tecidos periarticulares são espessos.

Em exames de autópsia pode-se observar atrofia de fibras musculares, fibrose e degeneração gordurosa.

As formas amioplásicas são muito graves; as formas distais entretanto, apresentam acometimento predominante das mãos e dos pés, sendo de menor importância o grau de acometimento de outras articulações. O tipo II das artrogriposes distais apresenta subtipos dependendo de suas características clínicas: tipo II a – baixa estatura, fenda palatina; tipo II b – ptose palpebral; II c – fenda palatina e lábio leporino; II d – escoliose e II e – trismo. 

É importante relatar que independente da forma clínica, as deformidades são devido ao desequilíbrio muscular, existente desde o inicio da vida intra-uterina. Associando a esse fato a gravidade da doença de base, é explicado a grande morbidade nessa patologia, sendo a mais recidivante das patologias ortopédicas.

As deformidades geralmente são simétricas, sendo que, quanto mais distais as articulações, mais intenso é a gravidade. As alterações dos membros podem estar associadas a outras malformações viscerais e neurológicas. Hall dividiu os pacientes em três grupos: portadores somente de contraturas de membros (subdividindo-se em amioplasia e artrogripose distal; sendo que a amioplasia é a forma clássica e mais freqüente); portadores de contraturas e alterações neurológicas; e portadores de contraturas associado a alterações viscerais.

A freqüência do envolvimento aumenta de distal para proximal, sendo o pé a articulação mais comumente afetada (o pé equinovaro é a deformidade mais comum).

Geralmente essas crianças apresentam boa inteligência e são esforçadas, fazendo o possível para alcançarem suas capacidades máximas. A sensibilidade desses pacientes está preservada.

6 Diagnóstico 

Não há um exame laboratorial capaz de diagnosticar a AMC durante o pré-natal. Caso o médico suspeite de alguma anormalidade, a ultra-sonografia pode ser válida para avaliar possíveis anomalias e os movimentos fetais. Nos primeiros seis meses de vida, o estudo imunológico pode ser útil para identificar infecção viral. 

Posteriormente pode-se realizar um exame oftalmológico, analisando a retina. Este exame permitirá saber se houve um processo infeccioso durante a gestação. Os músculos foram embriologicamente formados normais, e depois, durante o desenvolvimento fetal, foram substituídos por tecido fibroso.

A biópsia muscular no caso dessa patologia irá ser de acordo com o músculo em questão. Análises histológicas poderão revelar se os músculos estarão ou não normais. Estes poderão apresentar acúmulo de tecido fibroso, mas poderão estar normalmente inervados.

Através do exame eletromiográfico pode-se detectar que, em músculos diferentes de um mesmo paciente, há alterações de origem miopática e neuropática.

7 Tratamento Clínico (Cirúrgico) 

O tratamento clínico desses pacientes é complicado devido aos variados comprometimentos: alterações genéticas, insuficiência motora, deformidades e problemas de ordens psicológicas.

A equipe deve ser composta por médicos pediatra e cirurgião, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogo e assistente social. Em alguns casos, o ortopedista e o engenheiro em reabilitação irão ser necessários para construir equipamentos de adaptação para os membros superiores e para possibilitar a posição sentada. O tratamento deve ser de maneira individualizada. As deformidades presentes nestes pacientes são de difícil correção devido à grande rigidez. A manutenção das correções é dificultada pela fraqueza da musculatura. Entretanto, alguns pacientes apresentam sucesso quando tratados precocemente com mobilização passiva e imobilizações, seguidas por cirurgia de reconstrução ou imobilizadora.

Existem várias técnicas cirúrgicas para cada tipo de deformidade. O tratamento cirúrgico, geralmente de caráter reconstrutivo, deve ser adiado até que se obtenha maior mobilidade possível, através de métodos conservadores. A capsulotomia posterior da articulação do joelho e o alongamento do Tendão de Aquiles são cirurgias freqüentemente realizadas a fim de reduzir a rigidez dos tecidos moles. 

Já a cirurgia de reconstrução é geralmente indicada em casos de correção do pé eqüino-varo refratário ao tratamento conservador. A luxação do quadril é tratada através de tração, tenotomia de adutores, descolamento do músculo psoas rígido e imobilização. Caso haja necessidade, a articulação coxo-femural é reposicionada, acompanhada do transplante do músculo iliopsoas, nos casos em que os extensores de quadril não funcionam. O ombro raramente precisa de correção cirúrgica. No cotovelo em extensão é feito capsulotomia posterior e alongamento do tipo V-Y do tendão do tríceps. Em casos que o músculo bíceps não apresente força, é feita a transferência de tendão do tríceps para o bíceps. Para a correção do punho em flexão existem inúmeras cirurgias, existindo divergências na literatura e portanto não serão descritas. Quanto à coluna vertebral, a artrodese é um recurso bastante útil, sendo realizada, em sua maioria, antes dos 10 anos de idade.

O tratamento cirúrgico do pé artrogripótico tem objetivo de obtenção de um pé plantígrado, mesmo que este seja rígido. 

Portanto os cirurgiões lançam mão de cirurgias radicais para conseguirem este objetivo.

8 Tratamento Fisioterapêutico 

O tratamento de reabilitação é bastante amplo e visa a marcha e a independência nas atividades de vida diária através da atuação não só nas deformidades, mas também na integração do indivíduo ao meio, promovendo seu desenvolvimento global.

Fisioterapeuta, Terapeuta Ocupacional, professores e técnicos em órteses devem atuar conjuntamente, ao lado do ortopedista nos centros de reabilitação. Os principais objetivos da equipe são: manter a amplitude de movimento articular, fortalecer a musculatura residual, melhora da hipotonia, facilitar a aquisição de novas etapas do desenvolvimento motor e cognitivo, melhora da propriocepção e de padrões de movimento, adaptando-os às atividades de vida diárias.

A fisioterapia deve ser baseada em mobilizações das articulações, em alongamentos dos tecidos moles e em facilitações de movimentos ativos de membros e do tronco para que essas crianças possam adquirir habilidades funcionais. Ainda cita que pode - se conseguir uma manutenção dos posicionamentos articulares através do uso de talas, sendo que este tratamento deve ser intensivo, principalmente no primeiro ano de vida, e mantido até a idade adulta.

O tratamento do membro superior deve ser constituído de exercícios passivos e ativos através do uso de órteses e gessos. Cita que a participação ativa da mãe é importante e que o objetivo final visa as atividades de vida diária. As recidivas (pós- cirurgias) das deformidades de punho são freqüentes, e, por isso incentiva-se o uso de talas.

Mesmo sendo a escoliose de caráter grave, esta pode ser controlada através do uso de coletes bivalvados em criança de pouca idade, vindo a ser substituído pelo colete de Milwaukee.

Quanto ao tratamento do quadril, deve ser iniciado desde o nascimento, através de mobilizações e alongamentos. Quando há também a contratura em flexão do joelho devem ser usados também gessos confeccionados e trocados semanalmente. Nos casos em que a deformidade persiste e há um bom prognóstico para a marcha, a cirurgia está indicada. O pé também é manipulado desde o nascimento. A correção com gesso é feita já na segunda semana, de forma seriada. Após 3 meses deste tratamento, já está indicado o tratamento cirúrgico do pé.

O pé eqüinovaro é tratado com gesso na parte interna, sendo substituído por atadura, o mais cedo possível, para que possibilite a mobilização feita pelo fisioterapeuta. Deve-se evitar a imobilização rígida, pois a mobilização é fundamental. O decúbito ventral deve ser utilizado precocemente após a cirurgia de correção da deformidade em flexão do quadril, a fim de promover alongamento das estruturas anteriores. 

O tratamento deve contar com a participação dos pais, para que os exercícios e mobilizações possam ser feitos em casa, devendo estes ser aplicados durante várias vezes ao dia, por breves períodos de duração. Essas crianças podem necessitar de adaptações feitas pelo Terapeuta Ocupacional, a fim de que possam ser capazes de brincar, se alimentar sozinhas e explorar o ambiente. 

Referências Bibliográficas 

BRUST, John C. M. A prática da Neurociência. 1ª ed. Rio de Janeiro: Reichmann & Afonso, 2000. 

CAMPBELL, Suzann K. Physical Therapy for Children. 2a ed. Philadelphia: W. B. Saunders Company, 2000. 

CHICONELLI, J.R.; MONTEIRO, A.V. A mão na artrogripose múltipla congênita. Rev. Bras. Ortop. v.29, n.7, p.501-504, Jul.1994.

DOWNIE, Patrícia A. Neurologia para Fisioterapeutas. 4ª ed. São Paulo: Panamericana, 1987. 

DIAMENT,Saul Neurologia Infantil. 3a ed. São Paulo: Atheneu, 1996. 

FENICHEL, Gerald M. Neurologia Pediátrica. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 

FERNANDES, T.D.; MASAGÃO, R.A.; MARTINS, V.M.; SILVA, J.S.; SALOMÃO, O.; CARVALHO Jr, A.E. Avaliação biométrica comparativa entre tálus e pé equinovaro congênito idiopático e no pé artrogripótico. Rev. Bras. Ortop. v.32, n.3, p.249-253, Mar. 1997.

MASIERO, D.;FILHO, J.L.; ATLAS, S.; BRUNONI, D.; SCHMIDT, B.; MAGALHÃES, A.A.C. Artrogripose: uma classificação a ser adotada. Rev.Bras. Ortop.,v.26, n.6, p.191-195, Jun.1991.

MASIERO, D.;FILHO,J.L.; SCHIMIDT, A. Artrogripose Múltipla Congênita: estudo crítico de 15 casos avaliados por biópsia com técnica histoquímica. Ver. Bras.Ortop., v.25, n.1-2, p.7-15, Jan/Fev, 1990.

MASIERO, D.; PINTO, J.A.; LOURENÇO,A.F.In: HEBERT, Sizínio et al.. Ortopedia e Traumatologia- Princípios e Prática.1ª ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

MERRIT, H. Houston Tratado de Neurologia. 9a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989. 

NEEDLMAN, Robert D. Nelson - Tratado de Pediatria. 15ª ed. vol.2. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. 

SHEPHERD, R. Fisioterapia em Pediatria. 3ª ed. São Paulo: Livraria Editora Santos, 2002. 

FONTE: http://www.fisioneuro.com.br/ver_pesquisa.php?id=4

Nenhum comentário:

Postar um comentário